quinta-feira, 16 de julho de 2020

Criança interior



Fiz uma viagem para dentro de mim; uma menina negra, ágil e alegre, com uns 6 anos, se propôs a me fazer companhia. Ela havia sido abandonada pela família, que por pobreza extrema não teve outra opção (situação quase corriqueira num país de base colonial escravocrata como o nosso). Decerto que não tive opção, aceitei a companhia dela.  Eu estava em dias cinzas, meu sol, fechou em pétalas em meu coração. Cuidamos uma da outra nessa viagem.
Por alguns dias ficamos em frente a um rio.  Fixamos nossos olhares nas águas que passavam tranquilamente. No fim do dia, a margem ficava alta e banhávamos nossos pés. No início do dia, a água estava tão baixa que era tudo transparente e dava para ver o leito e tudo que estava lá; pedras, pequenos peixes, gravetos.

O rio esperava tranquilamente o dia todo para ser cheio ao fim do dia. Eu e menina entendemos a primeira lição: nossas vidas são como rio, altos e baixos. Quando estamos no alto, nossa energia é tão forte que erradia, todos se aproximam e querem usufruir desse momento, sejamos generosas, compartilharemos. Quando em baixa, nos momentos amargos da vida, nossa energia enfraquece, ficamos tão transparentes, toda dor, dúvidas que estão guardadas são mostradas. Não seremos arrogantes, esperaremos e pediremos ajuda.

Seguimos a viagem. Passamos alguns dias na estrada só nos olhando. Já no quinto dia, resolvemos sentar debaixo de uma grande árvore e conversar. Escolhemos essa árvore pela sua grandeza, com caule e galhos grossos, negros e fortes. Tantas folhas, de muitos tamanhos, de muitas tonalidades de verde, sua sombra imensa, sentamos e iniciamos a conversa.
Eu disse a menina:
 - Quando eu era do seu tamanho, meu único sonho era ter uma casa na árvore, morar nela para sempre e escrever muitas histórias...
A menina me olhou com os olhos arregalados e disse:
- Mesmo? Pois esse é meu sonho!
Olhando para a copa da árvore que nos protegia com sua sombra eu respondi:
- Que coincidência maravilhosa!  Eu não tive a casa na árvore. Hoje meu sonho é ser a árvore. Tão forte e bela quanto essa, assim meninas como você podem construir suas casas na árvore.
A menina alegremente perguntou-me:
 - Quando tu conseguir ser essa árvore, me deixa ser a primeira moradora e fazer minha casa lá?
Fiquei algumas horas sentindo, e respondi:
- Com certeza quero ser sua árvore e abrigar tua casa. Estou gostando muito de sua companhia, mas, enquanto eu não sou essa grande árvore, tenho uma brincadeira para te propor! Vamos nós duas subir nessa árvore e fazer nossa casa. Que achas?

- Gostei!!! Vamos sim! A menina vibrou animada.
Subimos na árvore, eu e a menina, eu era a menina, a menina era eu.
E descobrimos que a árvore e a casa estavam lá, dentro de nós.
Ficamos muitos dias dentro de mim, brincando e escrevendo nossas histórias. Meu coração se abriu, os dias ensolarados voltaram.

A lição da árvore: somos nossa História, nossas lembranças e sonhos. A grande árvore só precisa de espaço e decisão para brotar e crescer.

Depois conto mais sobre a viagem para dentro...

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Lapidação

Se  fugimos dos confrontos necessários para nos  posicionar no mundo é como se  estivéssemos  dizendo “NÃO ” para as nossas vitórias. Isso nos  afastará  cada dia mais de viver a plenitude que almejamos. 
Não adianta achar que tudo vai ser em paz, perfeito como um conto de fadas, essa é uma visão infantil da vida. A vida é lapidação nos aprendizados. 
Essa lapidação é individual e coletiva.

Sagrado Ancestral


Estar  só é uma vibração
Ser só é uma ilusão
Nunca estive só
Nunca estarei só
Minha energia una com a deles me mantem de pé
A força que me move a caminhar
A força que me reconstrói após a tempestade
A força que impulsiona meus vôos
É o sagrado que me foi confiado por meus ancestrais
O sagrado sabe.

domingo, 14 de junho de 2020

Poesia em tempos de pandemia


medo? natural
angustia? natural
ameaçando, atormentando,
o que fazer?
aceitar que esta é a realidade, e mais que te perturbar
ir além...
dar risadas
e a partir do possível criar o impossível
além das sombras e dos perigos

solta
te solta
na firmeza que abençoa quando se ama

para de pensar
para de querer

presença
não por ter
mas por ser e estar
como a flor
generosa
que encanta sem palavras...

encontra teus amados e amadas
livre do passado
livre de segundas intenções
simplesmente
ama ama ama
te entrega
celebra
até que a presença em si
o agora
vire fumaça
e mostre
que viver feliz
está além das compreensões

respirar
só respirar
te conduzirá ao estado
que tanto buscas
ser
simplesmente ser e estar
esse é o grande barato

Semana que vêm
Tudo começa
Outra vez
Respira
Age

Muda
Transmuta
Vai fazendo devagar
Tudo o tempo todo muda
Um novo tempo irá chegar


Brasil na transição planetária.


2020, ápice da grande transição planetária.
Meio a Pandemia, o Brasil sendo hoje o país com maior número de mortos, ainda em processo de isolamento social,  ativistas autônomos e da esquerda progressista decidem ir as ruas se manifestar.
Estamos no auge do ataque a democracia pouco consolidada no Brasil. Somos gente diversa, mas, somos nós, o povo negro que é maioria e sempre foi assolado pela violência racista e pela desigualdade capitalista.

Cada um tem seu lugar de fala, de escolha e decisão. Nas ruas hoje, ou em casa, concordando ou não com as manifestações, sejamos aliados, é preciso construir uma nação, de paz, amor e abundância para nós e as próximas gerações.
Decidir ir as ruas, no  ato antifacista, antiracista do dia  07.06.2020, manifestação na Esplanada dos Ministérios. Protagonizada pela juventude negra, com grande participação das mulheres. Foi pacífica, diversa e unificada.

Durante manifestação desse domingo de sol, me emocionei muito; Pontos altos foi ver a juventude negra da periferia lutando por um Brasil com equidade; Meu filho Ariel com seu corpo trans, mestiço, na firmeza, lá entre nós. Minhas amigas feministas cantando; "é preciso está atenta e forte, é preciso não temer a morte". Me lembrei da prece que eu repetia quando eu meditava no templo da chama violeta: Mãe de Deus, mãe divina, mãe do mundo, derramai sobre a humanidade inteira, forças eficazes de tua chama de amor, até que todos nós, tenhamos vencido o medo, a doença e a morte.

Fotografia de Ricardo Stuckert


terça-feira, 31 de julho de 2018

Meu corpo, minhas regras, minhas ervas


Nesse território corpo, 
meu corpo,
Sou senhora dos meus desejos, ciclos,
líquidos, fluidos e prazeres, 
Tu não podes invadir,
Essa é a regra!

No território tribo, tu, branco elitista,
Que pensa ser Deus,
Antes de chegar aqui,  eu índia, já estava e a  regra sempre foi me amar,
Aborto aqui, só dos mal presságios, meu útero, minhas ervas,
Minhas regras,
Desciam, pelo poder da quebra pedra e da arruda, que no mato dar,
Pois comigo ninguém pode, nem nunca poderá...

No território quilombo, tu branco elitista,
Que pensa ser Deus,
Criminoso eis tu, tirou de meus braços erês amados,
E até hoje, segue nas favelas a nos matar,
Te aviso, a regra sempre foi lutar e livre ficar.
Aborto aqui só da escravidão,
Meu útero, minhas regras,
Pelo poder do boldo e da Sálvia que eu mesma plantei,
Fazem-me companhia, jurubeba a te enganar.

Nós outras, nós todas, todos os territórios, de ontem, de hoje, 
Nossos corpos, nossas regras, vocês, homens de terno,
Que pensam ser Deus,
Não vão continuar a nos matar, abortamos agora mesmo, suas falácias fascista,  
Nosso corpo, nossas regras, seremos como ervas daninha, no teu calcanhar,
Seremos  cravos de jardim, vamos continuar, juntas, irmanadas pra te enfrentar.
Nesse território, não mandarás!
Aborto, legal e seguro já!
Nossas ervas, a nos abençoar!





terça-feira, 12 de junho de 2018

Amo amar uma mulher

Aos 44 anos conheci uma mulher,  ela me conheceu como nem eu me conhecia, foi um encontro de novidades, ela me salvou da heteronormatividade... 

Vivemos encontros  de cura e aprendizados. As vezes, somos duas meninas, brincando e gargalhando ao vento, outras vezes, duas amantes, se deliciando com o prazer e  gozo que só duas mulheres podem se dar/doar...

Das vontades: os dias vão se passando e vai crescendo minha vontade de fazer  tudo com essa mulher:  dormir,  acordar, passear, dançar, viajar, juntinhas ficar...

Das  incertezas: será que  eu tava no armário ou só esperando encontrá-la? Vou seguindo com minha paixão inquieta e  desejo ardente, e essa mania de alma velha que quer  só amor de paz, aconchego e  exclusividade.

Das certezas: Confio que nada é por acaso, os encontros são dádivas para nossa evolução. Vivo o presente no presente de sua companhia. 

Sou mais feliz agora que conheço o amor entre mulheres, seja  qual for o caso ou formato, desse enamoramento, vou cultivar. Amar é uma bênção.