segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Gritos silenciosos sobre afetos...

Por um dia ela estava condenada ao Silêncio. Tinha fama de tagarela desde criança. Mas agora na idade adulta sua fala assusta, hora tem veneno de serpente por ser tão verdadeira, outra hora enfeitiça com um contagioso intervalo de gargalhadas. Só por hoje está condenada ao silêncio gritante de sua alma, alma essa inquieta que resolveu sem nenhum pudor dar gritos sobre como anda seus afetos...

 Essa tarde ficou horas devaneando na cama sobre a vivencia do amor:
 -Será mesmo que mulheres negras são feridas no lugar que poderiam conhecer o amor?
-A escravidão de seus ancestrais com a coisificação do corpo e da alma impediu-as de experimentar relações de intimidade, compromisso e paixão?

Com o silêncio da boca tentou dormir, mas dentro de sua mente os sussurros começavam novamente... 
E de repente vinham os gritos:

- Deve ser verdade, considerando que nossos ancestrais testemunharam seus filhos e filhas sendo vendidos, seus amantes, companheiros e amigos apanhando sem razão, mais de um século de um povo vivendo na pobreza, sendo obrigadas a serem separados de seus entes familiares...

Lá pelo início da noite conseguiu dormir e sonhou. Sonhou com seu amor (amor esse que nem sabe que é o amor dela, mas para quer saber, o amor é dela, se o outro sabe, ou quer esse amor, é outro grito no silencio desse dia), no sonho os dois se deliciavam com sorrisos, olhares, afagos... Mas os gritos a fizera acordar e uma ideia lhe veio à cabeça:

- Será por isso então que as pessoas não estão conseguindo entregar-se ao amor? Levando em conta que a população desse lugar é em sua maioria descendentes de escravos, essa uma tese possivelmente verdadeira...
Lembrou-se que por onde anda, ver romances frágeis, olhares arredios em vez de encantados pela singularidade do outro/outra, desejos contidos, paixões caladas, como se a intensidade do amor não pudesse arder em brasa...
Resolver dar um basta nos gritos, levantou-se e escreveu:


 - Calem-se! Tenho um novo tempo no amor a viver!  Dor e beleza em mim me torna mais forte e resistente do que nunca.  Alegra-me a provocação de dizer que meu lugar são todos os lugares e que o amor é meu melhor lugar, minha sensualidade é sensualidade de indivíduo. Eu a construo e dela quero fazer o que quero.  Sou filha de negra, neta de negra. Quero a dança, quero o rebolado em qualquer ritmo. Quero meu corpo pra mim e pra quem eu quiser, se eu quiser. Minhas curvas amplas, largas, não me tornem menor, melhor, pior.  Minha sabedoria e meu aprendizado são a força que move a liberdade de mim e do outro, e não mais a do outro sobre mim. Calem-se!

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